O “darwinismo social” foi inventado no Século XIX como termo pejorativo para o que hoje chamamos liberalismo clássico ou laissez-faire, especificamente aplicado a Herbert Spencer, pelos seus opositores. Em particular, o darwinismo social designava um sistema de “sobrevivência dos melhores” (survival of the fittest): um sistema premiasse a responsabilidade, o esforço, a criatividade, a excelência e o progresso moral – por outras palavras, que promovesse aqueles que, em liberdade, conseguissem o melhor para si e, nesse processo, contribuissem para melhorar a sua comunidade (e, em contrapartida, que desincentivasse o contrário). É precisamente isso que uma economia de mercado livre de intervenções promove: o serviço mais eficiente do próximo. Esta concepção do mundo que recompensa certas atitudes e sanciona outras, não podia (e continua a não poder) ser aceite pelo “espírito do tempo” moderno: o igualitarismo.
Como muitos outros termos, a acusação de darwinismo social servia, porém, mais como arma de arremesso do que como legítima forma de informação. Com a popularidade das teorias eugénicas de superioridade rácica, o termo darwinismo social passou a ser aplicado também, a meu ver erradamente, a estas fantasias homicidas e perdeu, definitivamente, o seu apelo como slogan para os defensores de uma ordem social fundada na propriedade privada, na responsabilidade pessoal e no progresso moral e material das sociedades humanas.
Duas notas muito prévias para evitar concepções erróneas e acusações falsas são expedientes: o escriba não se propõe a defender as teorias rácicas e eugénicas – que, tal como são entendidas, significam o extermínio de seres humanos considerados inferiores pelo processo político. E, também, é pouco relevante que o termo darwinismo social seja o produto mal intencionado de uma má concepção da teoria biológica da selecção natural – mesmo sendo uma comparação científicamente insuficiente, a analogia tem os seus méritos. Se a selecção natural significa a sobrevivência das formas de vida que se adaptam melhor a uma realidade biológica sempre em mudança, o darwinismo social tem de significar exactamente o mesmo no plano económico, social e político. E o sistema de preços formados no mercado livre, de investimento privado e de lucros e perdas, proporciona precisamente isso: um meio pelo qual os seres humanos podem adaptar-se às mudanças na realidade material do mundo. Mas, além disso, significa a conservação e o incentivo de atitudes e tradições que contribuam para o progresso material e moral (que, a meu ver, deve acompanhar o progresso material – caso contrário este não será sustentável a longo prazo), e assim que garantam a sobrevivência e perpetuação da espécie humana, e simultaneamente o seu melhoramento (moral e material).
A defesa do darwinismo social, entendido como o melhoramento da espécie através da “selecção natural” resultante das escolhas livres dos seres humanos inseridos numa sociedade, é importante porque a ideologia vigente é, precisamente, uma de anti-darwinismo social – ou seja, de promoção, não das virtudes, mas dos defeitos; de incentivo à degeneração, em vez do progresso moral. O fervor igualitário moderno não se limita a rejeitar uma forma de progresso moral em detrimento de outra. Na realidade está a rejeitar a ideia de progresso moral em si, como algo a que se deve aspirar.
Ao criticar a “selecção natural” do mercado, o que se reflecte na prática numa defesa das políticas do Estado Providência, o que se defende na realidade é a continuação das piores características dos seres humanos, precisamente aquelas que qualquer sociedade civilizada deve desencorajar.
O papel do secularismo neste processo de descivilização não deve ser menosprezado. Afinal, não exagero ao dizer que o objectivo principal de qualquer religião é o progresso moral dos seres humanos, sejam quais forem os meios adoptados por qualquer uma das religiões particulares. O mundo secular e igualitário em que vivemos, e a sua representação por excelência na promoção dos “direitos sociais”, fundamentalmente rejeita a necessidade progresso moral – e a permissividade total perante as mais variadas formas de vida “alternativas” atesta a veracidade do truísmo.
O anti-darwinismo social chegou a um ponto em que qualquer forma de degeneração é não só aceitável, desculpável e, se possível, a ser subsidiada – ou seja, encorajada: mas sobretudo a degeneração não é da responsabilidade do degenerado. Pelo contrário, o degenerado é a vítima de um sistema que não lhe forneceu oportunidades de não o ser, tornando a degeneração o seu destino natural. Precisamente o contrário é verdade: a degeneração (moral e física) visível nas sociedades modernas é o produto de demasiadas oportunidades oferecidas a custo zero e sem quaisquer contrapartidas; é o produto da vitimização dos criminosos (os “excluídos”) e da criminalização das vítimas (aqueles que, sendo honestos e trabalhadores – ou seja, estando inseridos produtivamente na sociedade - “excluem” os degenerados - na realidade, os que pagam a sua degeneração) .
Mas mais importante: esta não é uma visão minoritária, pelo contrário. Ela é o consenso democrático da maioria, mesmo entre os que pagam do seu bolso os “direitos sociais”. A grande maioria das pessoas é a favor das perversões do Estado Social e não se apercebe das suas implicações, quer práticas, quer teóricas. Toda a gente responsável e sensata é, apesar de tudo, a favor de uma restruturação ou reforma das “políticas sociais”, e considera que existe “um abuso” das mesmas. Não entende, porém, que esse abuso é o produto natural das próprias políticas e que a miséria moral que cresce a olhos vistos na sociedade é inevitável enquanto o sistema e a mentalidade que o suporta persistir.
A ideologia secular que produziu o Estado Social, produziu um sentimento hoje inamovível de direito nos beneficiários. Nomeadamente o direito a ser irresponsável sem sofrer as consequências dessa irresponsabilidade. Não admira, pois, que a delinquência, a toxicodependência, a criminalidade violenta, a irresponsabilidade, a corrupção, o desrespeito por qualquer forma de autoridade, o desemprego crónico e inúmeras outras formas de degeneração moral estejam há décadas a subir e, ultimamente, a chegar a níveis deveras preocupantes nas sociedades democráticas.
Finalmente, o anti-darwinismo é sobretudo explícito no facto de serem as pessoas honestas, responsáveis e trabalhadoras a financiar contra a sua vontade as extravagâncias dos irresponsáveis, funcionando como mais um incentivo perverso para que se juntem à classe das “vítimas”, ou seja, dos parasitas. Quantas pessoas que trabalhem e paguem do seu bolso casa, educação, saúde e impostos, não contemplam por vezes a situação de uns (reais ou hipotéticos) vizinhos, que não trabalhando e tendo tudo oferecido pelo Estado vivem definitivamente de forma mais desafogada e com menos preocupações?
E ao financiar-se a pobreza (porque é disso que se trata), incentiva-se a reprodução precisamente entre aqueles que não podem (e por isso não devem) ter filhos, na mesma medida em que desencoraja a natalidade nos casais que podem (e devem) ter filhos. Além disto, a mentalidade secular tentou (e continua a tentar ainda) desencorajar ou retardar também teoricamente os casais de cumprirem a benção de ter filhos. Em primeiro lugar ao banalizar a homossexualidade e os estilos de vida promiscuos e em segundo lugar elevando outros objectivos (a carreira, o prazer pessoal) acima de um absoluto bem e de uma absoluta necessidade para a perpetuação e evolução da espécie: que é a reprodução. O resultado é uma maior reprodução entre as classes mais baixas (com menos dinheiro, menos educação e piores atitudes morais), e uma menor reprodução entre as classes produtivas (com mais meios, mais educação e melhores atitudes morais).
De resto, mesmo entre a juventude das classes médias e altas vemos um nível de iliteracia, irresponsabilidade e desinteresse que assusta qualquer pessoa. Os incentivos a uma vida regrada e responsável foram completamente denegridos, em detrimento da “procura do prazer” e da “realização artística” - e outras formas torpes de hedonismo. Por outras palavras, o progresso moral tornou-se um objectivo ausente das cabeças de pais e filhos, professores e alunos, e por aí adiante. E neste capítulo, não podemos também desprezar o contributo do sistema educativo que, quer por meios públicos ou privados, é absolutamente centralizado e contribui, entre outras coisas, para deseducar as crianças e mantê-las durante vários anos fora do mercado de trabalho.
As consequências num futuro próximo deste anti-darwinismo social serão ainda mais desastrosas do que já são. Vivendo sob o governo da maioria, e sendo que a maioria, cada vez maior, é o produto deste sistema que promove a degeneração moral, teremos (como temos tido) governos cada vez mais populistas, que sobrecarregam cada vez mais os cidadãos produtivos e perpetuem o sistema e o processo de degeneração moral. As reformas e os paleativos com que os governos recentes tentam remediar a situação não farão mais do que enfurecer as “vítimas”, os “indignados”, que esperam sempre e ainda uma esmola. Só a mudança absoluta de sistema e dos incentivos que o acompanham pode efectuar alguma mudança para melhor.
Precisamos desesperadamente de darwinismo social. E só uma sociedade livre promove o progresso moral.
Adenda:
O leitor Luís F. Afonso deixou um comentário pertinente que vale a pena acrescentar:
«1. A essência de um certo "Social Darwinism" e a própria expressão em si atribuídas a um H. Spencer, representam, hoje, uma assunção sobremaneira contestada por historiadores do pensamento económico e político.
De facto, Spencer, enquanto membro proeminente do chamado "X Club", fundado por Thomas Huxley em 1864, terá partilhado e aguçado muitas das ideias saídas dessa extraordinária tertúlia vitoriana que além dos próprios Huxley e Spencer, chegou a contar com génios de um século como Thomas Archer Smith, John Lubbock, John Tyndall e o próprio Charles Darwin, de quem Huxley terá sido o mais aguerrido defensor na praça pública.
Porém, é a um homem não directamente ligado a este círculo de excelência, ainda que próximo do mesmo, que as origens de um certo ""Social Darwinism", essencialmente político/axiológico, devem ser traçadas, e esse homem é Sir Francis Galton, primo afastado de Darwin e académico de múltiplos talentos.
O equívoco da atribuição da sua essencialidade a Spencer, é hoje ponto assente que se deve a uma certa literatura política dominante nos E.U.A. ao longo da 1ª metade do Século XX, que de publicação em publicação lá foi firmando o mito na consciência comum de que Herbert Spencer era o "Pai do Social Darwianismo" ("S.D.").
2.Em qualquer recurso, a obra muitas vezes considerada como sendo o 'expoente máximo' do "S.D.", é, na verdade, um obscuro panfleto 'agitprop' surgido em Chicago por volta de 1890, simplesmente intitulado "Might Is Right" (um título deveras sugestivo...), e cuja identidade do respectivo autor (que assinava sob o pseudónimo de 'Ragnar Redbeard') ainda hoje é objecto de aceso debate entre académicos e curiosos destas coisas — acerca do mesmo já foram vertidas as mais rebuscadas teorias, identificando no misterioso 'R.R.' figuras tão diversas como um obscuro socialista Neo-Zelandês, Arthur Desmond de seu nome, o escritor Jack London, ou o próprio Presidente Norte-Americano Theodore Roosevelt.
Porém o que há a reter, antes de mais, desta estranha obra é o facto de a mesma, mais que nihilista ou amoralista, se revelar verdadeiramente 'anti-moral', e pesadamente racista, misogena, belicista, etc., algo que não deverá ser de estranhar considerando o contexto histórico e o lugar onde surgiu. Porém o livro em si, e com ele a expressão "Social Darwinism" é hoje apanágio de todo o tipo de tarados, entre neo-nazis e eco-terroristas, que de escuras vielas do oblívio comum saem de quando em vez para a luz do dia.
Naturalmente, ninguém de bom senso aqui toma a invocação de um certo "Social Darwinismo" por parte do RBR, como aludindo aos entendimentos retorcidos que essas outras pessoas alegadamente propagandeiam desta expressão e seu conteúdo.
Em todo caso, como dizia a famosa caixa de palitos "Cuidado com as imitações".»
Adenda:
O leitor Luís F. Afonso deixou um comentário pertinente que vale a pena acrescentar:
«1. A essência de um certo "Social Darwinism" e a própria expressão em si atribuídas a um H. Spencer, representam, hoje, uma assunção sobremaneira contestada por historiadores do pensamento económico e político.
De facto, Spencer, enquanto membro proeminente do chamado "X Club", fundado por Thomas Huxley em 1864, terá partilhado e aguçado muitas das ideias saídas dessa extraordinária tertúlia vitoriana que além dos próprios Huxley e Spencer, chegou a contar com génios de um século como Thomas Archer Smith, John Lubbock, John Tyndall e o próprio Charles Darwin, de quem Huxley terá sido o mais aguerrido defensor na praça pública.
Porém, é a um homem não directamente ligado a este círculo de excelência, ainda que próximo do mesmo, que as origens de um certo ""Social Darwinism", essencialmente político/axiológico, devem ser traçadas, e esse homem é Sir Francis Galton, primo afastado de Darwin e académico de múltiplos talentos.
O equívoco da atribuição da sua essencialidade a Spencer, é hoje ponto assente que se deve a uma certa literatura política dominante nos E.U.A. ao longo da 1ª metade do Século XX, que de publicação em publicação lá foi firmando o mito na consciência comum de que Herbert Spencer era o "Pai do Social Darwianismo" ("S.D.").
2.Em qualquer recurso, a obra muitas vezes considerada como sendo o 'expoente máximo' do "S.D.", é, na verdade, um obscuro panfleto 'agitprop' surgido em Chicago por volta de 1890, simplesmente intitulado "Might Is Right" (um título deveras sugestivo...), e cuja identidade do respectivo autor (que assinava sob o pseudónimo de 'Ragnar Redbeard') ainda hoje é objecto de aceso debate entre académicos e curiosos destas coisas — acerca do mesmo já foram vertidas as mais rebuscadas teorias, identificando no misterioso 'R.R.' figuras tão diversas como um obscuro socialista Neo-Zelandês, Arthur Desmond de seu nome, o escritor Jack London, ou o próprio Presidente Norte-Americano Theodore Roosevelt.
Porém o que há a reter, antes de mais, desta estranha obra é o facto de a mesma, mais que nihilista ou amoralista, se revelar verdadeiramente 'anti-moral', e pesadamente racista, misogena, belicista, etc., algo que não deverá ser de estranhar considerando o contexto histórico e o lugar onde surgiu. Porém o livro em si, e com ele a expressão "Social Darwinism" é hoje apanágio de todo o tipo de tarados, entre neo-nazis e eco-terroristas, que de escuras vielas do oblívio comum saem de quando em vez para a luz do dia.
Naturalmente, ninguém de bom senso aqui toma a invocação de um certo "Social Darwinismo" por parte do RBR, como aludindo aos entendimentos retorcidos que essas outras pessoas alegadamente propagandeiam desta expressão e seu conteúdo.
Em todo caso, como dizia a famosa caixa de palitos "Cuidado com as imitações".»